Jota – O apagão do Facebook e a responsabilidade pela interrupção do serviço
Imagem: Pixabay
Link original
No último dia 3 de outubro, o mundo foi sobressaltado pelo apagão das plataformas de redes sociais e de mensageria pertencentes ao Facebook. Os usuários das plataformas surpreenderam-se tanto pela ausência de comunicação prévia a respeito de possível instabilidade nos serviços prestados, como pelos impactos nefastos constatados pela queda de suas receitas. Inúmeras empresas e pequenos negócios se utilizam das plataformas que ficaram inoperantes como principal meio de venda de serviços e produtos aos seus consumidores finais.
Sem dúvida o silêncio do Facebook durante o período de aproximadamente seis horas em que os serviços ficaram inacessíveis não contribuiu para que os usuários tivessem a compreensão da dimensão do dano, dificultando que lançassem mão de uma estratégia a curto prazo para que suas receitas não fossem tão fortemente afetadas.
O nível extremado de dependência que os indivíduos mantêm em relação às redes sociais e aos serviços de mensageria concentrados nas empresas do Facebook deixou ainda mais evidente o risco sistêmico decorrente da concentração do mercado com consequências desfavoráveis ao consumidor, vivenciadas concretamente, mostrando a capacidade de um evento isolado de uma empresa colapsar todo o sistema.
Para termos uma ideia dos efeitos negativos oriundos da interrupção dos serviços prestados por WhatsApp, Instagram e Facebook, atualmente cerca de 175 milhões de pessoas diariamente trocam mensagens através de uma conta comercial do WhatsApp, sendo mais de 13 milhões apenas no Brasil.
Verifica-se, portanto, que um número exponencial de pessoas mantém como estratégia de negócios a interação com o consumidor final por meio de alguma das plataformas digitais do Grupo Facebook e com especial atenção ao aplicativo WhatsApp e WhatsApp Business, os quais centralizam grande parte dessas conexões.
Incontroverso o prejuízo ocasionado aos consumidores na qualidade de usuários das plataformas, tanto sob a ótica da relação consumerista quanto civilista e da Lei Geral de Proteção de Dados [1] e que nos impõe questionar a responsabilidade pela reparação dos prejuízos ocasionados em decorrência do apagão das plataformas.
É necessário primeiramente compreendermos que existem dois tipos de relação entre os usuários e as plataformas, a exemplo das contas de WhatsApp e WhatsApp Business, estabelecendo-se a primeira relação com consumidores usuários e a segunda com consumidores empresas que utilizam os serviços para seus próprios negócios. Evidencia-se assim, finalidades distintas, de cunho pessoal e comercial.
Analisando o tema sob o prisma consumerista e considerando ser incontroverso que o serviço prestado se enquadra no conceito de serviços do Código de Defesa do Consumidor, responderá o fornecedor dos serviços, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores conforme preceituam os arts. 14 e 20 do referido diploma legal.[2]
O Novo Código Civil em seu art. 927, § único[3] substituiu a ideia da culpa do art. 186 do antigo Código Civil pelo risco assumido pela atividade que é exercida, devendo as empresas que exploram os serviços se responsabilizarem por eventuais danos ocasionados em decorrência deles.
Nessa linha de raciocínio também é possível concluirmos que o Facebook atrai para si a responsabilidade caracterizada pelo defeito no serviço ao admitir publicamente que o motivo da interrupção dos seus serviços decorreu de uma falha técnica no sistema. Disse ainda que essa falha foi gerada por uma atualização interna, que gerou uma pane no Sistema de Nome de Domínio – DNS, que tem como função a tradução do nome ao endereço numérico do usuário.
O defeito no serviço está previsto no Código de Defesa do Consumidor [4], bem como integra o risco do negócio preceituado no Novo Código Civil [5] e o consequente dever de indenizar na hipótese de comprovado dano material.
Raciocínio diverso se daria caso se configurasse a hipótese de exclusão da responsabilidade por parte do fornecedor de serviços, tal como a ocorrência de caso fortuito externo, a exemplo de algum evento causado por força natural capaz de justificar a impossibilidade na manutenção do serviço prestado.
E, por fim, mas não menos importante, cabe analisarmos a responsabilidade da empresa na qualidade de controladora de dados pessoais sob a luz dos arts. 43 e 44, parágrafo único, da Lei Geral de Proteção de Dados [6] e que endereçam ao agente de tratamento a responsabilidade na adoção de medidas de segurança aptas a garantir a proteção contra incidentes de seguranças que envolvam dados pessoais dos titulares.
Portanto, também pelo olhar da proteção de dados, é possível vislumbrarmos a responsabilidade do Facebook por não ter empregado medidas suficientemente protetivas para evitar o incidente de segurança que culminou com a indisponibilidade de dados pessoais dos indivíduos.
Martha Leal – Advogada especialista em Privacidade e Proteção de Dados, Data Protection Expert pela Universidade de Maastricht, fellow do Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD)
[1] BRASIL. Presidência da República. Lei 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Redação dada pela Lei nº 13.853, de 2019. Acesso em 9.out.2021
[2] CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E NORMAS CORRELATAS. 2. ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 132 p.
[3] BRASIL. Presidência da República. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Brasília: Casa Civil, 2002. Acesso em 9.out.2021
[4] CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E NORMAS CORRELATAS. 2. ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 132 p.
[5] BRASIL. Presidência da República. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Brasília: Casa Civil, 2002. Acesso em 9.out.2021
[6] BRASIL. Presidência da República. Lei 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Redação dada pela Lei nº 13.853, de 2019. Acesso em 9.out.2021