Conjur – A proteção de dados como direito fundamental
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No último dia 10 de fevereiro foi promulgada a Emenda Constitucional nº 115 em sessão solene no Congresso Nacional, incluindo a proteção de dados pessoais no rol de direitos fundamentais. Além de representar um marco histórico, a emenda simboliza um grande avanço quanto ao amadurecimento do país em relação à garantia da proteção de dados pessoais que passa a ser assegurado pelo art. 5º., LXXIX da Constituição Federal.
Consequentemente, sendo alçado como direito fundamental autônomo, o tema proteção de dados passa a ser estudado a nível constitucional. As ações judiciais que envolverem as questões interpretativas da Lei Geral de Proteção de Dados, em razão da natureza do direito constitucional, passam a ser tratadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Portanto, se até o presente momento, constatava-se algum desinteresse por parte das organizações e das empresas em relação a aderência às normas protetivas de dados pessoais, o momento passa a exigir extrema atenção, uma vez que a inobservância a Lei Geral de Proteção de Dados traduz infração à Constituição Federal.
O art. 21, XXVI, da Constituição Federal, incluído pela EC 115, de 2022, estabelece que compete à União organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais, nos termos da lei. Nessa linha, compete ao Poder Público a fiscalização e o zelo do ambiente de proteção de dados, não cabendo mais a uma lei ordinária o poder de diminuir o direito constitucional ao qual foi alçado.
Nesse sentido, a Emenda Constitucional vai de encontro com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a qual disciplina o tratamento de dados pessoais, inclusive em meios digitais, realizado por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, com o objetivo de garantir a privacidade dos indivíduos.
Assim, além da garantia como direito fundamental, a nova Emenda Constitucional também estabelece a competência material exclusiva da União Federal para organizar e fiscalizar a proteção de dados pessoais e a competência legislativa privativa para legislar sobre o assunto.
Importante destacarmos que apesar do direito à privacidade e o direito à proteção de dados estarem intrinsicamente conectados entre si, versam sobre direitos distintos e, por esta razão, torna-se tão importante o reconhecimento deste último como direito fundamental.
O direito à privacidade previsto no inciso X do art. 5º. da Constituição Federal está intimamente ligado à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a qual em seu art. 12 estabelece que ninguém será sujeito a interferências em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. O objetivo é a proteção da vida privada da interferência estatal, excetuando-se situações em que o interesse público é preponderante ao interesse particular.
Entretanto, com o exponencial crescimento do ambiente digital e do incremento de nossas relações no formato “on-line”, inconteste o surgimento de novos desafios na gestão da vida privada e que estão relacionados ao uso de nossas informações pessoais, sobrevindo a partir deste panorama o conceito do direito à autodeterminação informativa.
É razoável concluir que o direito à privacidade assegura ao indivíduo resguardo contra a interferência estatal em sua esfera particular, enquanto o direito à proteção de dados pessoais garante a proteção dos dados que dizem respeito ao indivíduo, impondo mecanismos para a tutela deste direito.
Olhando pelo o prisma internacional, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece em seu artigo 8º o direito à proteção de dados pessoais determinando que o processamento deva ser justo e com finalidade específica. A Carta representa um documento de extrema relevância para a proteção dos direitos fundamentais no contexto da União Europeia, tratando de direitos concretos e reconhecidos na ordem jurídica, os quais se expandiram na busca da dignidade humana e do livre desenvolvimento da personalidade moral.
Voltando à esfera nacional vale ressaltar o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 6387, no caso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A Ministra Rosa Weber suspendeu a Medida Provisória 954 em razão do compartilhamento de dados pessoais entre empresas de telefonia e o Instituto face a ausência de indicação expressa da finalidade do tratamento dos dados, de interesse público relevante e transparência na partilha dos dados coletados.
A referida decisão levou em conta o potencial risco de danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada e já fazia referência ao art. 5, XII da Constituição Federal citando expressamente a necessidade de um direito fundamental autônomo à proteção de dados e que se desprende do direito à privacidade.
Sem sombra de dúvida, o direito à proteção de dados como garantia constitucional fortalece ainda mais a Lei Geral de Proteção de Dados, instrumento legal que traz em seu artigo 1º como objetivos, a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, robustecendo o papel da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), atribuído pelo art. 55- J do mencionado instrumento legal.
Enfim, uma grande vitória a ser comemorada em meio a um cenário em que cada vez mais somos impactados pelo tratamento dos nossos dados pessoais.
*Martha Leal, advogada especialista em Proteção de Dados. Pós-graduada em Direito Digital pela Fundação Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Mestranda em Direito e Negócios Internacionais pela Universidad Internacional Iberoamericana Europea del Atlántico e pela Universidad UNINI México. Pós-graduanda em Direito Digital pela Universidade de Brasília. Data Protection Officer ECPB pela Maastricht University. Certificada como Data Protection Officer pela EXIN. Certificada como Data Protection Officer pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro- FGV. Fellow pelo Instituto Nacional de Proteção de Dados – INPD